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Quando eu crescer quero ser um executivo

30/7/23

O que eu acho mais legal na escrita e na arte no geral é como ela serve como um recorte momentâneo da sua vida. O que você produz é 100% conectado com o que você tá vivendo naquele exato momento. E a parte mais daora é voltar e relembrar todas essas coisas e conseguir enxergar melhor de onde elas saíram e como elas tavam ligadas a aspectos da sua vida que você nem percebia. No final você nem repara, mas acaba construindo uma grande galeria da sua vida inteira. "Galeria", entenderam? rsrs

Há mais ou menos um ano eu escrevi o texto “O que se estuda em arquitetura?”. Nele eu falei um pouco sobre o quanto a arquitetura é uma disciplina que vai muito além de desenhar prédios e casas, tocando num tópico mais abstrato que é a própria forma como os seres humanos se sentem nos lugares que vão. Naquela época eu tava no quarto semestre de arquitetura e ainda não estagiava. Esse mês eu to saindo do meu primeiro estágio, e acho que ele me agregou muita coisa no sentido de compreender mais essa disciplina (e o porque de eu continuar estudando ela). 

Trabalhando de fato com arquitetura eu entrei em contato com algo que na faculdade pouco se fala. Na realidade é justamente o que marca o fim de qualquer projeto da faculdade, a etapa do projeto executivo. Se você cursa arquitetura, você com certeza ja sentiu um alívio quando seu professor passou 30 minutos te explicando um detalhamento absurdo de algum encaixe que deve ser feito no caixilho da janela pra que ele funcione, tudo isso pra depois do monólogo ele soltar um “mas isso a gente só faz no executivo, não precisa desenhar pra entrega”. Na faculdade o projeto executivo salva vidas. 

Lembro de estar sentado no escritório no primeiro mês de estágio e espontaneamente perguntar pra minha chefe daonde vem o termo “projeto executivo”, que eu tanto via nos arquivos de desenho. Ela me disse o que provavelmente já era óbvio na cabeça dela (como a maioria das perguntas que se fazem em um estágio). Ela me falou que executivo vem de “executar”, porque é o conjunto de desenhos detalhados que permitem que o empreiteiro execute a obra que você idealizou. Na hora tudo clicou, e me fez perceber o que de fato faz um arquiteto.

Sendo extremamente breve, um arquiteto passa 20% do tempo idealizando conceitos e partidos para um espaço, e os outros 80% desenvolvendo instruções pra trazer isso tudo pra realidade. É engraçado porque todo pai que percebe que o filho gosta muito de montar Lego fala que ele vai ser arquiteto ou engenheiro. Se a gente fosse ser fiel à realidade, a criança que quer ser arquiteta quando crescer taria fazendo o próprio manual do Lego aos 8 anos, e não só encaixando as peças.

É claro que essa porcentagem que eu falei vai se invertendo conforme você cresce no ramo da arquitetura, porque projeto executivo é chato. Ele é muito mais chato do que ficar modelando no 3d ou fazendo croquis expressivos. Mas eu não to trazendo esses fatos pra reclamar. Na real pensar nisso me fez entender muito mais o porque de continuar estudando arquitetura. 

O projeto executivo é chato, mas é absolutamente necessário. Uma ideia é só uma ideia sem o projeto executivo. O projeto executivo é o que liga a cabeça do arquiteto com o mundo real. Isso é lindo e é absurdamente importante. E não é importante só pra o arquiteto, e sim pra qualquer pessoa criativa. 

Nesses três anos de arquitetura, sinto que o que eu mais aprendi não foi sobre vigas, pilares e lajes. Ou sobre como desenhar uma fachada harmônica. Ou então que função vem antes da forma. O que eu mais absorvi até agora na faculdade de arquitetura é como um arquiteto pensa. É difícil de explicar, mas quanto mais os semestres passam, mais a minha mente funciona como se visse em quatro dimensões. Como se existissem as três dimensões tradicionais da forma e mais uma nova que seria a execução dessa forma. O arquiteto pensa de dentro pra fora e de fora pra dentro, isso tudo ao mesmo tempo. O processo não se distingue do produto e o produto não se distingue do processo. Um é intrínseco ao outro e você desenvolve os dois simultaneamente. E conforme o projeto da galeria D^ avança, mais eu enxergo essa lógica arquitetônica invadindo as outras áreas da criação. Uma camiseta não é só uma camiseta. Ela é a somatória de todas as etapas que levaram ao resultado dela. Ela não existe sem todas as outras camisetas que vieram antes dela, sem todos os outros testes de estampagem. Ela não existe sem o pote de tinta, a espátula, o rodo e a tela que eu usei pra fazer ela. Ela não existe sem as noites em claro que eu passei na área de serviço do meu apartamento estampando e ouvindo música. E a consciência disso invade o processo de criação. Eu não consigo mais desenhar nada sem pensar, enquanto desenho, o que vai ser necessário pra fazer aquilo funcionar. Produto não existe sem processo, e essa foi uma lição que a arquitetura me ensinou.

O que eu falei no último texto sobre não sonhar em ser um arquiteto não mudou. Eu ainda não sonho com isso e acho que nunca vou sonhar. Mas também acho que a faculdade de arquitetura não tem nada a ver com isso. Quando eu compartilho essa ideia com alguém, normalmente a pessoa solta um riso de surpresa e pergunta o que eu quero ser se não um arquiteto. Sempre tive dificuldade de formular essa resposta, mas de um tempo pra cá acho que tenho melhorado. Eu falo a seguinte frase, que pra mim já virou um mantra: “eu quero diminuir cada vez mais as barreiras entre ter uma ideia e executar essa ideia, em qualquer campo criativo”.

Depois desse texto acho que vou começar a responder que quero ser um Executivo, mas algo me diz que vou ser mal interpretado.