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Arte não é um negócio

29/9/22

Se você me viu pessoalmente pelo menos três vezes nos últimos dois anos, a chance de você ter me visto vestindo uma camiseta branca com a frase “ART IS NOT A BUSINESS” em alguma cor estampada bem grande no meu peito é altíssima. Sério, muito alta mesmo. Dos sete dias da semana, é provável que eu use uma camiseta dessa em três deles. A frase é uma das estampas que eu criei, e eu sou completamente apaixonado por ela. Vim explicar um pouco do porquê.

Faça um esforço pra mim. Imagino que vai ser mais fácil para alguns do que para outros. Imagine um urso chupando um picolé. Se concentra mesmo, tenta ver de fato esse urso, a cor dele, a cor do picolé, como ele seguraria o picolé. Vai longe. Eu sei que é muito difícil colocar isso em palavras, mas você de fato “viu” o urso na sua cabeça, não viu? Eu to vendo ele agora, enquanto escrevo esse texto. Se você não viu, tenta com alguma coisa mais simples, tipo a Torre Eiffel. Conseguiu ver? De fato construir uma imagem na sua cabeça? Com cor, proporção, detalhe. Parece que a mente humana tem um terceiro olho, onipresente, que funciona independente de para onde nossos olhos reais apontam. Eu acho isso muito louco. O problema é que não tem como eu falar pra você entrar dentro da minha cabeça e ver esse urso que eu to vendo. Eu preciso ilustrar ele de alguma forma pra você. Ênfase no “alguma forma”, pode ser um texto, um desenho, um vídeo, uma imitação, qualquer coisa. Eu acredito firmemente que é daí que surge a arte. Da necessidade humana de expressar coisas inexistentes, sentimentos inexplicáveis, crenças únicas que ficam dentro da gente. A arte é a forma que encontramos de fazer o mundo dar uma espiada na nossa cabeça. De fazer os outros verem o que a gente vê, da forma que a gente vê. 

E pra isso não tem regra. É uma terra sem lei, literalmente. Pra mim arte é tudo, independente do nível de refinamento ou de complexidade de execução. Eu só criei uma condicionante para arte. Apenas uma, universal e imbatível. Arte não é um negócio (eu escrevi em inglês porque “Business” em português fica um pouco ambíguo, deu pra perceber). Mas é importante não se prender às palavras. Quando eu coloco essa afirmação, não to me referindo de jeito nenhum ao valor monetário da arte, ou se arte produzida em massa e vendida em massa deixa de ser arte. De jeito nenhum. Business aqui diz respeito ao propósito. Diz respeito à quantidade de verdade que você coloca naquilo que você produz. Eu não to de forma alguma demonizando o mundo dos negócios ou o capitalismo. Acho até que tem muita coisa na nossa sociedade que a gente vê como negócio que também é arte. O uso do termo business só serve pra ter um contra-ponto para a arte. Business é o oposto da arte no sentido de que não contém uma intenção verdadeira daquele que faz. Não tem um pedaço da realidade dele, da verdade dele. Não parte do instinto humano de querer dividir uma visão, uma ideia. 

Mas a quem cabe julgar o que é arte e o que não é? Aí que fica meio paradoxal. Todo mundo tem direito a ter a própria opinião sobre algo, mas de fato única pessoa em todo o mundo que tem como afirmar se algo é arte ou não é a autora desse algo. Ela é o único ser na face da terra que sabe, de verdade, o propósito daquilo. Se parte de um lugar verdadeiro dentro dela ou não. Então dá pra dizer que a frase na camiseta é muito menos agressiva do que parece. É mais um conselho pra quem lê e menos um ponto de vista autoritário que eu quero impor. É um mantra de autoconhecimento. Pelo menos pra mim serviu pra isso. Pra eu nunca esquecer de prestar atenção no lugar de onde saem as coisas que eu faço.

E para aqueles que me perguntam se eu acho que algo tão simples como uma frase em Helvetica escrita com todas as letras maiúsculas estampadas em uma camiseta branca lisa é arte, eu respondo com a maior convicção do mundo: sim. Pode confiar em mim. Ta aí uma coisa que eu tenho certeza absoluta. Talvez a única coisa do mundo que eu possa ter certeza absoluta. E que gostosa que é essa sensação.