fotosvídeos>textos

A frustração do Kanye West

24/9/22

Essa semana eu decidi rever algumas das entrevistas que o Kanye West deu no passado. Vi duas de 2013 e outra de 2015. São momentos que existiram há quase 10 anos atrás, quando eu tinha 9 ou 10 anos de idade.

É praticamente um consenso social que o Kanye West é uma pessoa pifada. Completamente louco, imprevisível e inconsistente. Mas vendo esses trechos de uma década atrás eu fiquei em choque. Eu acho que, por incrível que pareça, ele é uma das pessoas mais consistentes que eu já vi. Ele carrega, desde sempre, um mesmo propósito, uma mesma luta, e consequentemente, uma mesma frustração. E a sua persistência é admirável.

Pra deixar o ponto que eu quero fazer mais claro, vou expandir um pouco. Qual vocês acham que é o telefone celular com melhor design no mundo? São raras as pessoas que dão alguma outra resposta que não o iPhone. Na minha opinião, o iPhone é uma das peças de design mais incríveis já feitas. É um produto projetado e executado de forma praticamente perfeita. É lindo e extremamente funcional. Até quem tem algum dos 1000 modelos de Android concorda que o design da Apple é imbatível. Pra gente que mora num país fodido que nem o Brasil, a informação que eu vou dar vai parecer um pouco estranha, mas em 2021, 20% das pessoas que tinham um smartphone, tinham um iPhone. Se você parasse cinco pessoas na rua, era provável que uma delas teriam um iPhone no bolso (e muito provável que as outras quatro teriam modelos diferentes de algum Android). Para pra pensar, que outro mercado funciona assim? Que outro ramo de produto coloca o design topo de linha na mão de um quinto da população? Das pessoas que tem carro, quantas dirigem um Porsche? Dos que usam relógio, quantos tem um Rolex no pulso? Das mulheres que usam bolsas, quantas delas carregam uma Balenciaga de lá pra cá? Coloco minha mão no fogo que é menos de 1%.

Essa é a missão do Kanye West. Ele quer virar o cenário de cabeça pra baixo. Ele quer vestir o mundo inteiro com a nata do design. Ele quer fazer com que as pessoas não tenham que ter muito dinheiro ou gostar muito de design para ter uma peça de roupa desenhada por ele. Sim, isso soa completamente contra-intuitivo considerando o preço das coisas que ele lança. Mas é justamente por isso que ele é tão frustrado. 

Em 2013, nas duas entrevistas que eu assisti, o Kanye fala sobre como é praticamente impossível atingir esse objetivo dele sem se aliar com as empresas que controlam o mercado, como a Nike. Ele demonstra (de forma muito expressiva) a sua frustração por não conseguir apoio das grandes marcas para projetar sua voz, ou melhor, seu traço, pra maior parte da população e dos consumidores comuns. É daí que surge aquele trecho famoso em que o Sway, um entrevistador de rádio, pergunta pra ele porque ele não tentava fazer tudo sozinho, e ele surta, perguntando de forma retórica “Como? Você não tem as respostas”, várias vezes.

Em 2015, tendo conseguido a parceria com a Adidas, ele já demonstra descontentamento com o controle que ela impunha sobre os preços e estoque dos Yeezy. Ele deixa claro desde o primeiro tênis que ele lançou que não era pra ser algo difícil de se conseguir, mas aquilo foge do controle dele.

Acho que o evento mais expressivo dessa visão que ele tem foi a parceria que ele fechou com a Gap no ano passado. Ele se uniu com e empresa que faz as roupas mais comuns do Estados Unidos. Sério, as propagandas antigas da Gap falavam literalmente que as suas roupas não deviam ser o atributo que mais chama atenção em você, e mostravam 10 modelos vestindo a mesma coisa. Parecia que ele tinha achado o lugar ideal pra levar a visão dele pro mundo. Mas de novo, não deu certo. Um casaco dele com a Gap custa 160 dólares, completamente inacessível. E é por isso que agora ele tá surtando no Instagram, querendo romper os contratos com as duas empresas. Ele quer tentar recomeçar, fazer tudo de forma independente. Lembra do Sway, que sugeriu isso pra ele em 2013? Essa semana o Kanye disse em uma entrevista que ele tinha sim as respostas. Momento full circle total. É a mesma luta, o mesmo conflito desde 2012.

Perceberam que eu escrevi um texto inteiro sobre o Kanye West e não citei em nenhum momento as músicas dele? É porque eu acho de verdade que a missão dele vai além da música. É muito maior. Quando um entrevistador perguntou pra ele porque ele não focava só na música, que é algo que ele tira de letra, ele respondeu: “Não é ilegal não escutar música, mas é ilegal andar pelado na rua”. Ele vê, nas roupas, a melhor forma de atingir o máximo de pessoas possível com as suas ideias.

Ver esse cara tentando repetidamente, por mais de uma década, alcançar um objetivo tão grandioso e absurdo é muito inspirador. Eu tenho muita sorte de estar presenciando isso em tempo real. Voltando pro iPhone lá do começo, eu não vi o Steve Jobs revolucionar o jeito como a nossa geração se relaciona com a tecnologia. Mas talvez esteja vendo o Kanye West revolucionar a forma como o mundo se veste.